domingo, 22 de agosto de 2010

54 - O noivado no sepulcro


Vai alta a lua! Na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranqüila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranqüila!... Mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... Na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na mormórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... Com sombrio espanto
Olhou em roda... Não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?

Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrará ainda
Do pobre morto que na terra jaz?

Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!

Ai quão pesada me tem sido! "E em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

"Talvez que rindo dos protestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!"

- "Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...
- "Ó nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela coroa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

"Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.

Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?

Saudosa ao longe vês no céu a lua?"
- "Ó vejo sim... Recordação fatal"
- Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.

Ó vem! Se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!"

E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só. 
 
 
 
Soares de Passos (1826-1860)

6 comentários:

Giane disse...

António Augusto Soares de Passos (Porto, 27 de Novembro de 1826 – Porto, 8 de Fevereiro de 1860) foi um poeta, expoente máximo do Ultra-Romantismo em Portugal.

Seus poemas são fruto de uma angústia da sensação da proximidade da morte precoce mesclada ao desgosto pela situação em que se encontrava seu país.

O incrível é que sabe alternar esses aspectos soturnos a momentos de extrema confiança na mudança das condições sociais. Essas oposições dramáticas talvez sejam a causa da visão trágica com que o poeta enxerga o mundo. Quando parte para a religião, enfoca a tragédia de Deus castigando todos; quando enfoca a História, mostra uma sucessão de episódios lastimosos; quando olha o cotidiano, enxerga somente a desgraça.

Sendo um poeta muito divulgado no seu tempo, morreu precocemente aos trinta e quatro anos, vítima da tuberculose, deixando um livro único – Poesias – onde confluem todas as tendências do imaginário poético seu contemporâneo.

Fonte: Wikipedia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Soares_de_Passos

Destaco aqui um verso:

"Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrará ainda
Do pobre morto que na terra jaz?"

Belissímo.

Beijos mil!!!

Anjo das Trevas disse...

Desse poema, aprecio a seguinte estrofe:

"Amor! Engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrará ainda
Do pobre morto que na terra jaz?"



Agradeço teu gentil comentário em meu blog.

Abraços.

Giane disse...

Bato palmas para esse post!
Que bom, conhecer mais pessoas com a mente aberta.

Gostaria de reproduzir seu texto em um de meus blogs e no site que sou sócia.

Eis os links:

www.alfacrescente.blogspot.com
www.cemiteriosp.com.br

Giane disse...

Bato palmas para esse post!
Que bom, conhecer mais pessoas com a mente aberta.

Gostaria de reproduzir seu texto em um de meus blogs e no site que sou sócia.

Eis os links:

www.alfacrescente.blogspot.com
www.cemiteriosp.com.br

http://casaclaridade.blogspot.com/2010/09/cor-preta-para-alem-do-bem-e-do-mal.html

Giane disse...

Giane:

Muito obrigada :)

Autorização concedida.
Peço só que cite a fonte.

Quer que lhe envie o texto por email?

Beijos!


http://casaclaridade.blogspot.com/2010/09/cor-preta-para-alem-do-bem-e-do-mal.html

Giane disse...

Sim, Hazel, por favor!!!

Desde já Agradeço!
E pode deixar.
Faço sempre questão de citar todos os Amigos de Boas Palavras e suas Bonitas Idéias.

Beijos mil!!!

http://casaclaridade.blogspot.com/2010/09/cor-preta-para-alem-do-bem-e-do-mal.html

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